Apresentação - Por Ruth Joffily

Em 1972,entrei na Universidade Federal Fluminense (UFF) onde fiz a faculdade de comunicação. Meu grande sonho era ser jornalista. No quarto semestre da faculdade eu comecei a trabalhar, como estagiária, no jornal O Globo. Depois fui para a Bloch Editores. Fiz estágio nas revistas Sétimo Céu e Amiga, que produziam fotonovelas nacionais, até que certo dia, o Roberto Barreira, diretor-editorial da Revista Desfile,  me perguntou se eu aceitaria trabalhar produzindo imagens, produzindo fotos de moda. Eu perguntei ao Roberto o que era aquilo, produção de fotos, pois nunca tinha ouvido falar nada sobre o assunto nas aulas, a grande maioria teóricas, que tinha na faculdade. Roberto Barreira me disse de pronto; “É informar através da imagem.” Topei, na hora. E fiz parte da editoria de moda que foi formada então na Bloch Editores, em meados da década de 70.   
No curso de comunicação da Universidade Federal Fluminense  o que era respeitado era o jornalismo econômico, o jornalismo político, o jornalismo cultural. Ninguém falava em jornalismo de moda, muito menos em jornalismo feminino. O jornalismo de moda era, na época, o filho “bastardo” do jornalismo feminino. Era duplamente marginalizado.  Numa conversa com a jornalista Regina Guerreiro,  escutei um desabafo que resume toda a má vontade que as pessoas tinham, na época, em relação aos jornalistas especializados em moda: “As pessoas acreditam que para entender de moda basta ser mulher ou homossexual” – o que em si já enfatiza um preconceito contra a mulher e contra o homossexual.
Mas a Regina Guerreira tinha toda razão: ao iniciar o meu trabalho como produtora de moda passei a trabalhar, sobretudo, com mulheres e com homossexuais. Todos eram muito cultos, o clima, no trabalho, era de  harmonia. Ali não existia homofobia, nem preconceitos.  Nesse tempo, todos ao meu redor, inclusive minha família e os meus colegas da UFF (Universidade Federal Fluminense) consideravam a moda como algo superficial. A maioria das pessoas julgava, com uma idéia preconcebida, os profissionais da área da moda e do vestuário como “alienados”. Mas eu me apaixonei pelo assunto, me apaixonei pelo jornalismo de moda, e gostava e admirava as minhas editoras (vale destacar Gilda Chataignier e Angela de Rego Monteiro), meus colegas de ofício. E a maioria era gay: havia produtores gays, maquiadores gays, cabeleireiros gays, alguns modelos eram gays, assim como havia estilistas gays. E o meu editor-chefe, Roberto Barreira era um gay assumido. Quando veio a década de 80, com a AiDS, muitos faleceram. Saudade deixou Claudio Neves, excelente produtor de moda. Saudade deixou  Cássio Emmanuel Barsante, assistente editorial de Roberto Barreira.  Saudades deixaram muitos  que foram pegos, desprevenidos, numa época em que era tabu falar de AIDS e nem se sonhava com os famosos coquetéis que existem hoje, apesar de continuar sendo uma doença sem cura.
Foi trabalhando com profissionais homoafetivos, que eu aprendi a conhecê-los. A convivência era diária. Quando viajávamos para realizar produções, o que era uma constante, o convívio da equipe era de segunda a segunda. Ou seja, não havia feriados e nem fim-de-semana. Realizávamos produções pelo Brasil afora, realizávamos produções em vários países da Europa e na África. Ou seja, foi percorrendo o mundo, vasto mundo, como bem diz o poeta Drummond ,numa equipe onde sempre existia, no mínimo dois ou três homossexuais assumidos, que eu aprendi a conhecê-los,  aprendi a respeitá-los.
Com eles, aprendi que ninguém escolhe ser gay. A pessoa nasce gay. E os profissionais com os quais trabalhei, e ainda trabalho, nunca foram de “ficar dentro do armário” e nem tinham vergonha de serem o que eram e são.
  Em meados da década de 80, a minha paixão pela moda, me levou a criar o primeiro curso de jornalismo e produção e moda no Centro Cultural Cândido Mendes, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Lá, posteriormente, surgiu o Núcleo de Moda. E mais uma vez havia gays assumidos entre os profissionais extremamente capazes e bem-sucedidos que foram ministrar cursos livres, assim como havia gays assumidos entre os alunos dos cursos livres do Núcleo de Moda. No meu curso de Jornalismo e Produção de moda,tive excelentes alunos gays, alguns hoje são celebridades. Na Universidade Veiga de Almeida (UVA) criei com a colaboração do Instituto Zuzu Angel, a primeira pós-graduação em produção de moda, que coordenei durante oito anos. No corpo docente, havia professores gays assumidos, assim como havia professores heterossexuais.  Entre os alunos, havia também homoafetivos e heteros. Posso dizer que nunca vi ou ouvi alguma crítica, descriminação, bullying ou homofobia.  As diferenças eram respeitadas, pois nem professores e nem alunos estavam ali para serem meros copiadores. E lutavam para não serem submetidos a uma uniformização. Não aspiravam ser “uma pessoa padrão”. A diferença existia e palpitava nas salas aulas.
Ou seja, em toda a minha vida profissional  estive e estou ao lado de pessoas homoefetivas. Creio que a indústria da moda, o jornalismo de moda, a produção de moda e o jornalismo feminino foram nichos que acolhiam (e acolhem) estes maravilhosos profissionais, sem descriminá-los  e muito menos exigir que eles “escondessem” (ou “escondam”) seus reais sentimentos ou  que eles tivessem posturas machistas, pois homens – exceto os travestis – todos eles são.
 E o mundo da moda, nos seus bastidores,  sabe  exercer a cultura da alteridade, que é, em poucas palavras, respeitar o outro como ele é. A própria natureza comprova que a diversidade existe e é totalmente saudável.  Ser homoafetivo é  se sentir  atraído por alguém do mesmo sexo. E isto não se aprende em casa, nem na escola, nem em lugar nenhum.  Ser homoafetivo é, em curtas palavras, uma determinação genética. 
Dessa convivência respeitosa, nasceu a ideia deste livro.

Aos cinco profissionais que deram seus depoimentos, que abriram seus corações e mentes,  os nossos agradecimentos. E que este livro seja um instrumento para  que haja cada vez maior respeito pelas diferenças.  Afinal, se nem as nossas mãos têm dedos iguais, por que então esperar uma padronização dos seres humanos? 

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